As Associações representativas
das categorias de Membros dos Tribunais de Contas (Atricon, Abracom e Audicon),
dos Membros do Ministério Público de Contas (Ampcon), dos Auditores de Controle
Externo (ANTC) e de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc),
emitiram, no último sábado (6), uma nota pública em defesa da Lei da Ficha
Limpa e das competências constitucionais dos Tribunais de Contas. A nota
é publicada no momento em que o STF inicia a votação do Recurso Extraordinário
(RE) nº848826, em que se discute a competência dos Tribunais de Contas para
julgar as contas de gestão dos Prefeitos que atuam como ordenadores de
despesas.
Veja aqui o texto completo:
As Associações representativas
das categorias de Membros dos Tribunais de Contas (Atricon, Abracom e Audicon),
dos Membros do Ministério Público de Contas (Ampcon), dos Auditores de Controle
Externo (ANTC) e de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc)
representadas por seus respectivos Presidentes, abaixo assinados, MANIFESTAM
publicamente.
1. A Lei da Ficha Limpa corre
sério risco de perder efetividade. Está em pauta no STF, com votação já
iniciada, o Recurso Extraordinário (RE) nº848826, em que se discute a
competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão dos
Prefeitos que atuam como ordenadores de despesas.
2. O entendimento de todos os
Tribunais de Contas do Brasil, do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério
Público Federal, especialmente após o advento da Lei da Ficha Limpa, é de que
os Prefeitos se submetem a duplo julgamento. Suas contas de governo – que têm
um conteúdo limitado a aspectos contábeis, orçamentários, financeiros e fiscais
– são julgadas pela Câmara de Vereadores, cabendo ao Tribunal de Contas, neste
caso, a emissão de um Parecer Prévio, que somente pode ser rejeitado pelo
Legislativo por decisão de 2/3 dos Vereadores. Na hipótese, porém, em que o
Prefeito decide assumir a atribuição de ordenador de despesas, os seus atos
relativos ao processamento da despesa, integrarão, como as de quaisquer outros
administradores de recursos públicos, as chamadas contas de gestão, cabendo o
seu julgamento exclusivamente aos Tribunais de Contas, sem participação do Legislativo,
conforme estabelece o artigo 71, II c/c artigo 75 da Constituição Federal.
3. A interpretação sistemática do
artigo 31, 71, I e II, da Carta da República, amparada no princípio da máxima
efetividade da Constituição Federal, deixa inconteste essa competência dos
Tribunais de Contas. Tanto assim que por meio do julgamento conjunto, em 2012,
das ADI 4578, ADC 29 e ADC 30, o STF declarou constitucional a Lei Complementar
135 (Lei da Ficha Limpa), inclusive a atual redação da alínea “g”, do artigo
1º, inciso I, da Lei Complementar 64, que torna inelegíveis os que tiverem
contas julgadas irregulares (por falhas insanáveis caracterizadores de
improbidade dolosa) pelos Tribunais de Contas, inserindo-se nesta alínea
expressamente os detentores de mandato eletivo que atuarem como ordenadores de
despesas. Destaque-se que na discussão sobre a constitucionalidade da referida
“alínea g”, restaram vencidos uma minoria de Ministros que excluía os Prefeitos
da incidência da norma por entenderem que estes, em qualquer situação, deveriam
ter contas julgadas pelas Câmaras de Vereadores
4. Neste momento, por meio do
referido RE 848826, o Plenário do STF volta a examinar a questão, tendo o
Relator do Recurso, Ministro Luís Roberto Barroso, votado pela manifesta
competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão dos
prefeitos que, por vontade própria, decidiram ser ordenadores dos gastos,
mantendo a decisão do TSE e seguindo parecer da Procuradoria Geral da
República.
5. Não se pode desconhecer a
realidade dos pequenos municípios brasileiros, nos quais os prefeitos
efetivamente são os ordenadores de despesas, realizando licitações, assinando
contratos, empenhos, ordens de pagamento e cheques. A estrutura da Presidência
da República, dos governos estaduais, das prefeituras de Capitais e demais
grandes cidades, nas quais secretários municipais são os ordenadores de
despesas, não se repete na maioria dos municípios, especialmente nas regiões
mais pobres do País.
6. Prevalecendo o entendimento de
que os Tribunais de Contas poderiam apenas emitir Parecer Prévio sobre os atos
de gestão e ordenações de despesas na maioria dos Municípios, tem-se, sem
sombra de dúvidas, o enfraquecimento da efetividade do controle externo e de
proteção do patrimônio público, uma vez que às Casas Legislativas não foram
conferidos os meios constitucionais para assegurar o ressarcimento aos cofres
públicos nos casos de desvio de recursos e corrupção.
7. Tal interpretação – se vier a
prevalecer – tornaria a Lei da Ficha Limpa praticamente sem efeito, na medida
em que, comprovadamente, a rejeição de contas pelos Tribunais vem sendo a
principal causa de impugnação de candidaturas por parte do Ministério Público
Eleitoral. Além disso, retira a possibilidade de o Tribunal de Contas atuar
tempestivamente para corrigir desvios e assegurar o imediato ressarcimento do
dano ao erário, já que as prestações de contas anuais não são julgadas pelo
Poder Legislativo em prazo inferior a seis meses contado do encerramento do
exercício em que o desvio ocorrer.
8. Por outro lado, seguindo a
tese contrária à do Relator, os Tribunais de Contas não poderão aplicar sanções
nem imputar débitos, quando o prejuízo ao patrimônio público decorresse de
ordenação de despesas feitas pelo Chefe do Poder Executivo, apesar de a
Constituição da República, expressamente, conferir aos Tribunais de Contas – e
não às Casas Legislativas – a competência para proferirem decisões com eficácia
de título executivo contra quaisquer responsáveis por desvio de bens e
dinheiros públicos.
9. Outra consequência indesejável
que pode advir de um retrocesso jurisprudencial do STF é o de estimular que
todos os prefeitos e até Governadores e o Presidente da República possam,
eventualmente, assumir a ordenação de despesas, o que tornará letra morta as
principais competências conferidas aos Tribunais de Contas pela Constituição
Federal, notadamente o artigo 71, II, VIII, §3º: julgar contas de gestão,
determinar ressarcimentos por prejuízos causados ao erário e aplicar sanções a
gestores que cometeram graves irregularidades.
10. Caso seja retirada essa
competência constitucional dos Tribunais de Contas, mitiga-se, por conseguinte,
a igualdade entre as pessoas federativas da República. De fato, quando o
prefeito é ordenador de despesas de verba oriunda do Governo Federal, por meio
de convênios ou acordos com órgãos federais, não se questiona a competência do
TCU para julgar diretamente as contas dos prefeitos em relação aos convênios,
inclusive impondo débito e aplicando multas. Esta diferenciação entre verba
federal, de um lado, e verbas estaduais e municipais, de outro, não encontra
lógica e consistência no texto constitucional. Do contrário, equivaleria a
dizer que, em uma mesma obra, com contrapartida de recursos municipais, a verba
federal teria um controle técnico, enquanto a verba municipal se submeteria
apenas a um controle político das Câmaras Municipais, sem atuação do Ministério
Público de Contas para assegurar a observância das garantias constitucionais
das partes, sujeita tão somente ao jogo partidário, o que não é condizente para
esse tipo de controle e com o Estado Democrático.
11. Por todo o exposto, ao tempo
em que compartilhamos essa importante questão com a sociedade brasileira,
ressaltamos nossa confiança e exortamos o Egrégio Supremo Tribunal Federal,
especialmente neste contexto em que o cidadão exige efetividade, rigor técnico
e imparcialidade na fiscalização e no julgamento da aplicação dos recursos
públicos, a manter o entendimento já consagrado por todos os 34 Tribunais de
Contas do Brasil, Justiça Eleitoral, Ministério Público Federal e do próprio
STF (ADC 29 e ADC 30), seguindo o voto já proferido pelo relator do processo.
Em assim não prevalecendo, estaremos testemunhando um dos maiores retrocessos
republicano e democrático e um ferimento de morte na Lei da Ficha Limpa.
Brasília, 06 de agosto de 2016.
Valdecir Fernandes Pascoal
Presidente da Associação dos
Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – Atricon
Thiers Vianna Montebello
Presidente da Abracom –
Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios
Marcos Bemquerer Costa
Presidente da Associação Nacional
dos Ministros e Conselheiros- Substitutos dos Tribunais de Contas – Audicon
Julio Marcelo de Oliveira
Presidente em exercício da
Associação Nacional do Ministério Público de Contas – Ampcon
Amauri Perusso
Presidente da Federação Nacional
das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil – Fenastc
Lucieni Pereira
Presidente da Associação Nacional
dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – ANTC
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